Espadas místicas
ESPADAS MÍTICAS
A espada com características fantásticas, ou simplesmente com
um nome próprio, é um tema muito importante na mitologia
escandinava. As mais famosas são: Gram (Sigurd), Tyrfing (Hervör),
Dáinsleif (rei Högni), Lævateinn (Freyr), Angurvadal (Frithiof), Höfuð
(Heimdall), Hrotti (Fáfnir), Legbiter (Magnus III), Mistilteinn
(Hromundr), Ridill, Skofnung (Hrolf Kraki). Em um levantamento de
armas míticas com nomes próprios nas sagas islandesas, Drachmann
encontrou 92 espadas, 7 machados, 7 lanças, 4 elmos, 1 escudo e 3
cotas de malha. Sem dúvida, as espadas constituem o equipamento
marcial mais importante para o imaginário medieval nórdico.
Segundo o historiador Hilário Franco Júnior, o simbolismo da
espada no mundo germânico pagão era definido pela influência que
ela possuía na esfera social. Assim, a vida do herói estava ligada à
espada, sendo inseparável dela – isso é perceptível com Gram, pois, no
momento em que é quebrada, Sigmund morre. Para William Short,
uma espada definia o valor de um homem, tanto no nível individual
quanto no coletivo – ela era passada de geração a geração na Era
Viking, de pai para filho. Hilda Davidson aponta as inúmeras
conotações religiosas e sociais que as espadas possuíam entre os
escandinavos: eram associadas com a família; recordavam a lealdade
ao senhor e os direitos do chefe; eram conectadas ao excitamento da
batalha e, por último, diretamente relacionadas aos ritos funerários.
Davidson também percebe a relação simbólica da espada com outras
esferas sociais, como o casamento. Na área germano-escandinava, elaestaria associada com o contrato do casamento, por ser um símbolo da
continuidade da família. Isso explicaria a cena do interdito sexual
entre Tristão e Isolda (versão de Beróul) e Siegfried e Brunhilde
(CANÇÃO DOS NIBELUNGOS), onde a espada separa os corpos na cama.
A lendária espada do herói Sigurd (GRAMR, em nórdico antigo
“hostil”), foi forjada pelo ferreiro Völund e pertencia originalmente a
Sigmund, que a recebeu de Odin – este surgiu em seu salão e a cravou
no tronco da árvore Barnstokkr. Ela foi quebrada pelo próprio Odin
(em uma batalha onde Sigmund a portava) e depois reconstruída por
Regin, passando a ser a arma do herói Sigurd, que a utiliza
especialmente para matar o dragão Fafnir. Na iconografia, Gram está
relacionada ao ciclo nibelungiano e recebeu várias representações
visuais, que ocorrem das ilhas Britânicas até a Escandinávia, do século
X ao XII. Especialmente em pedras rúnicas, o principal motivo
estético de Gram é o momento em que Sigurd penetra o dorso de
Fafnir com essa arma (a mais famosa é Ramsundberget, Suécia), mas
também ocorrem representações do momento de sua forja (como na
igreja de Hylestad, Noruega).
Com o sucesso da ópera DER RING DES NIBELUNGEN, de Wagner, o
principal personagem (Siegfried, no caso alemão) passa a ser muito
destacado pela arte europeia, e alguns momentos em que porta Gram
(neste caso, Balmung) tornaram-se icônicos. Citando algumas
ilustrações deste caso: SIGMUNDS SCHWERT de Johannes Gehrts (1889),
onde o deus Odin insere a espada na árvore; SIGURD PRÜFT DAS SCHWERT
GRAM (1901), do mesmo ilustrador, onde o herói examina a espada
reconstruída por Regin. Talvez uma das imagens mais famosas de
Gram na modernidade também tenha ocorrido pela ressignificação
operística, na ilustração SIEGFRIED (1910), de Arthur Rackham, onde o
herói ergue a espada em posição de triunfo e glória. Ao fundo, o
ferreiro prostra-se assustado após ter refeito a espada. Mas sem
dúvida a imagem mais importante de Gram não está associada
diretamente a Sigurd, mas sim a Odin. Trata-se de uma maravilhosa
pintura a óleo de Carl Emil Doepler, realizada em 1905, onde o deus
caolho crava a espada na árvore Barnstokkr. Vestido com chapéu e
longa capa azul, o deus e a espada ganham uma imponência magistral.
Mas em todos estes pintores citados, o modelo de espada utilizado não
foi o padrão da Era Viking, mas o celta e o germânico antigo.Tyrfing é outra espada citada na HERVARAR SAGA OK HEIÐREKS, uma
saga lendária do século XIII. Nela, os diversos elementos da narrativa
estão inter-relacionados através do tema da espada Tyrfing – esta cria
um vínculo entre as diferentes gerações e acaba representando um
símbolo do destino germânico (segundo Hilda Davidson). A saga
estabelece como a sinistra espada foi forjada pelos anões Dvalin e
Durin e entregue ao rei Svafrlami. Ele a perde para o berserker
Arngrim, que a repassa a seu filho Angantyr, que morre em uma
batalha. Seu amigo Orvar-Odd a enterra junto a seu túmulo. Logo
depois, a filha de Angantyr, a donzela do escudo Hervor, vai reclamar
sua herança perante o túmulo, invocando o espírito do falecido.
A maldição da linhagem prossegue com a posse da espada. O clímax
da saga refere-se a um poema éddico de nome HERVARARKVIDA (inserido
na saga, mas talvez mais antigo) – onde Hervor desperta seu pai,
pedindo a espada, e ele a avisa da maldição que a arma carrega. Nesta
saga a espada possui um sentido muito semelhante ao anel
ANDVARANAUT, afastando-se de uma concepção heroica do equipamento
bélico (como em Gram) e sendo, antes de tudo, um símbolo do lado
trágico da marcialidade e da fatalidade humanas. Em recente análise,
o italiano Dario Coppola conectou a maldição da espada com outras
referências éddicas, como a necromancia e a magia de maldição,
também percebendo diferenças entre as três versões da saga.
Ainda que não tão famosa quanto Gram, a espada Tyrfingr
despertou algumas versões artísticas. Em 1895, a pintora sueca Jenny
Nyström executou a ilustração SVAFRLAMI AND THE DWARVES, a respeito
do primeiro proprietário da espada amaldiçoada – que a recebe dos
anões que a fabricaram. Posteriormente, a mesma cena foi executada
por Lorenz Frølich (1906) com mais imponência e mistério: o rei,
montado em um cavalo negro, segura a espada e olha implacavelmente
para os anões, mais abaixo, cercados por cinco cães de caça.
O ambiente é muito escuro e condizente com a tradição específica deste equipamento, ligado ao conceito de destino implacável.
Johnni Langer